terça-feira, 29 de abril de 2014

Corpo e Voz

 A produção literária da mulher brasileira surge em face de um discurso canônico literário e, de forma mais ampla, cultural, produzido de maneira geral por homens e expressado por uma ideologia machista. Lentamente, começando com a literatura inicialmente esporádica de autoras isoladas pelo tempo e pelo espaço, e principalmente a partir da década de 60, as escritoras brasileiras vêm desconstruindo mitos culturais que enquadraram a mulher em padrões rígidos de feminilidade, beleza e juventude, e em modelos de comportamento social permitido à mulher e dela esperado, padrões e modelos esses que afetam profundamente o sentido de identidade do sujeito feminino e sua relação com seu corpo, sua sexualidade e seu desejo. 

                                                      (imagem: http://www.google.com)

Nessa produção literária, especialmente a ficção e a poesia, observa-se que as escritoras brasileiras contemporâneas, ou seja, a partir da década de 70, têm construído um espaço literário de onde as vozes femininas que se fazem ouvir são realmente suas, e não resultado de um ventriloquismo masculino.  A voz que fala, que narra, que conta e faz poesia, é a voz que emerge de um corpo de mulher, já que por muitas vezes os homens se impuseram como escritores nomeados com pseudônimos de mulher, ou seja, construíam um discurso irreal enquanto idealizavam ideais supostamente femininos, oprimindo o que de fato emergia do consciente feminino.  Para ouvir-se claramente essa voz/identidade, torna-se necessário, portanto, olhar detidamente para esse corpo, para a sexualidade e o desejo da mulher representada na literatura de nossas escritoras.

Literatura essa que, encorajada pelas obras fundamentais de Lispector, Raquel de Queirós e Telles, mas também pela narrativa  ousada de uma Maria Lacerda de Moura ou pela poesia rebelde de uma Gilka Machado e, logo, pelo trabalho de Nélida Piñon, Márcia Denser, Sonia Coutinho, Miriam Alves, Marina Colasanti e outras, influencia a mulher brasileira a realizar um discurso contra-ideológico, à medida que procura encontrar uma linguagem autêntica com que possa dar expressão a uma nova mulher (novas mulheres) e à sua realidade sempre em processo de transformação.


Fontes:
Helena, Lúcia.  “Corpo de escrita:  poesia tem gênero?”  Introdução a “Vinte e duas poetas hoje.” Poesia sempre 10 (February 1999):  203-08.
http://www.scielo.com

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